segunda-feira, 25 de março de 2013

“Anos dourados do açúcar em Sergipe”: A herança dos engenhos





UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

“Anos dourados do açúcar em Sergipe”: A herança dos engenhos

Relatório de Viagem: Visita monitorada aos Engenhos São Félix e Dira e às Fazendas Camaçari e Santa Cruz, no estado de Sergipe. Respectivamente em Santa Luzia do Itanhy, Itaporanga D’Juda  e Laranjeiras .
Sofia Souza Santos
Graduanda do curso de Historia pela Universidade Federal de Sergipe-UFS
loren.souza92@gmail.com
No dia 9 de março de 2013, nós alunos da turma de historia de Sergipe da UFS, ministrada pelo professor Drº Antônio Lindvaldo Souza acompanhadas dos ilustríssimos colegas da turma da terceira idade, partimos de Aracaju durante a manha do mesmo dia, para a visita monitorada, com destino aos engenhos e fazendas prescritas, no intuito de conhecer mais sobre sua historia, reminiscências de um passado glorioso consolidado no auge da produção açucareira (por vias do final do sec. XVIII e constituindo a maior parte do sec. XIX), que persiste ainda na nossa memória; quer seja por sua “sobrevivência” transmitida por esplendorosas edificações formada de casarões luxuosos,  meio a uma organização distribuída em seu entorno, que interligava o meio produtivo ao senhor de engenho; quer seja também pela riqueza de detalhes entoados nos objetos que nos remontam valores e costumes de uma época.

Numa primeira parada, visitamos o engenho São Felix(localização na bacia hidrográfica Piauí-rio Real), erguido no ano de 1632, o segundo mais antigo de Sergipe e considerado um engenho na categoria dos bangüês, sua produtividade correspondente ao auge da produção da cana-de-açúcar no sec.XIX, não sendo essa a única que sustentava o do engenho, pois esse contava com outras formas produtivas complementares, apesar de ter sido o primeiro desativado com a crise no setor açucareiro. Através da fala do professor Lindvaldo e do professor de Museologia do polo da UFS em Laranjeiras, Samuel Barros de Medeiros soubemos algumas informações pertinentes a historia dos engenhos. 





                          Vista do engenho São Félix, Foto: André Moreira



Nesse foi possível observar, segundo o que eles disseram, que o mesmo teve muitos proprietários dentre eles um Felix da Rosa e Paulo de Souza Vieira Leite; o ultimo considerado bom administrador ampliou o entorno da casa grande no sec.XVII, criando o sobrado onde, na formação conservada de hoje foi possível perceber a divisão: na parte superior (para a família) e na parte de baixo acomodavam-se outras coisas, tais como a senzala. Bem relacionado com a politica, anexa novas terras ao engenho. 


                                        Local das antigas senzalas. Foto: Edivan Santos



No séc. XX o engenho vira usina e posteriormente foi tombado como patrimônio do Estado em 06 de janeiro de 1984 e passou por uma recente reforma, preservando as suas características originais. Além dos móveis coloniais, a propriedade conserva a antiga senzala na parte inferior do casarão. Atenção especial para o piso em madeira (muito lindo).

Detalhes dos moveis e porcelana

Utensílios em bronze 

Salão Principal da Casa Grande do engenho São Felix


Posteriormente fomos a fazenda Camaçari (localização bacia hidrográfica do rio Vaza-barris) no município de Itaporanga D´ Juda, onde fomos muito bem recepcionados por todos (donos e funcionários), o professor Samuel se encarregou de falar a respeito da localidade. Foi um engenho de açúcar que depois foi convertido em uma fazenda de criação de gado, esta, registrada no livro de Matricula de 1807, onde consta a época de Sergipe como possessão da Bahia, por fim acabando nas mãos do Barão de Estância e futuros herdeiros, tais como José Rolemberg Garcez.


Fachada da Fazenda Camaçari

Professor Samuel em sua explanação


Em seguida visitamos a casa e a capela. Dentro da casa percebemos logo de cara uma estrutura bem diferente da anteriormente visitada. Era uma construção menor sem duvidas, mas que dentro o possuía um acervo de moveis um tanto mais refinados que os anteriores, em outras palavras um acabamento menos rústico; e o que chama atenção nesse caso para mim, é o fato de haverem objetos singulares tão bem preservados, o telefone, sem dúvida, foi uma dessas coisas que atraíram a atenção, como também a forma como os quadros de fotografias estavam dispostos sobre a casa em especial num cômodo vizinho a sala de jantar, simplesmente maravilhoso. Já a capela, não resta duvidas que resistiu muito bem ao tempo pois estava em ótimas condições de preservação.

Mobília da Fazenda Camaçari; Foto: acervo pessoal de Karla Jamylle Souza Santos.

Fotos de antigos proprietários da fazenda


Fachada da capela; foto: arquivo pessoal de Kátia Jamylle Souza Santos

No período da tarde nos dirigimos ao Engenho Dira, em Itaporanga D´ Juda, foi sem dúvidas o que mais surpreendeu a todos principalmente a mim, no que se refere a capela com os corpos de antigos proprietários que foram enterrados; detalhe que naquela época os corpos que se enterravam dispostos mais próximos do altar eram das pessoas mais ricas (muito legal!). Como também é possível notar a mescla de religiosidade presente na capela com a imagem de São Benedito que aproximava os escravos da religiosidade. Nas palavras do prof. Lindvaldo a capela é um símbolo do concílio de Trento (presença de Senhor do Bonfim), onde se observa a presença da cruz e não obstante esse tipo de construção referenciava o controle que era tido através do registro pároco, que faz com que o surgimento de um engenho sirva para que possa prestar contas ao Vaticano. A disposição dos bancos e posicionamento destes em relação ao altar é de suma importância, tanto no distanciamento do padre em relação às pessoas no momento que ia realizar a missa, como também em momentos em que o padre ficava posicionado mais próximo as pessoas necessitando de atenção em outras celebrações (me surpreendeu também os bancos, que apesar de serem mais recentes mantem o disciplinamento e ordem, pois posicionam as pessoas mais eretamente).
O engenho hoje de propriedade de José Augusto Vieira do grupo Maratá,  ao contrario dos outros, foi o mais modificado se considerar que nesse somente a fachada da casa e a capela se mostram devidamente preservadas.

Fachada da casa do Engenho Dira
 
 
Capela do Engenho Dira; foto: Kátia Jamylle Souza Santos


Por ultimo fomos a Laranjeiras conhecer a fazenda Santa Cruz de Bragança (região do vale do Cotinguiba), propriedade de “Dona Baby” teve como seus primeiros proprietários a Família Bragança, que abriga por herança do marido da mesma, móveis antigos de dois engenhos diferentes; o Engenho pedras e o Engenho Oiteirinhos. Mais precisamente dispostos na parte superior se encontram mais resquícios do Oiteirinhos e na parte de baixo concentram-se mais objetos do Engenho Pedras, onde se veem a mesa de jantar e lustres riquíssimos.
Detalhe que a decoração mais do que nos outros lugares, fica disposta de forma a mencionar uma aproximação maior, são objetos preservados, ao  contrario dos outros, não passam uma imagem de algo “intocado”, é interessante isso, porque traz para o local uma atmosfera contemporânea aonde eles conseguem fazer uso dos objetos antigos no dia a dia: observo que a relação desses objetos em cada localidade se faz de forma diferenciada. A parte superior sem duvida é surpreendente com a biblioteca que é fantástica e um quadro em especifico: o de uma menina (nunca tinha visto algo igual), e mais uma vez as fotografias chamam muito atenção, a de se notar a pose recatada para foto (fiquei encantada com a foto de uma menina de 14 anos que estava em uma delas, que por sinal  casou-se com 9 e morreu, deixando 4 filhos!!), o posicionamento das mãos  e principalmente as fases da vida dessas pessoas  representando um segmento genealógico: fotos de casamento, com filhos, reunião com a família e etc. ps: Obrigada dona Baby pelo doce de leite com canela, estava muito bom.kkk

Fachada da casa de “Dona Baby”

Mesa de jantar

Quadro da menina
Considerações finais
A aproximação com o passado se faz importante, pois ao fazermos isso construímos um pedaço de nossas vidas, algo que de certa forma faz sentido dentro de nós, pois quando olhamos para algo antigo temos uma impressão de já termos visto isso em algum lugar, tanto que nos ajuda a estruturar como se deu a formação da sociedade como também da vida que temos hoje. Os objetos, as fotografias, os prédios, tentam buscar no passado a imponência e poder que possuíam; agora para resignifica-los no presente, meio como uma súplica diante da condição dos herdeiros frente ao seu tempo de mudanças e de modernidade, um verdadeiro desafio se contar também as disputas territoriais, a exemplo da fazenda Camaçari com o movimento Sem Terra. Enfim aprendi muito com essa viagem, espero retornar algum dia para ver as mesmas coisas preservadas até certo ponto como estavam.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

II Ciclo de Estudos "O sertão tem Histórias"

II Ciclo de estudos "O sertão tem Histórias": Religiosidade, Mitos e Representações.
O presente relatório visa abordar os acontecimentos decorridos da viagem monitorada por Antônio Lindvaldo Sousa (Professor Dr. Coordenador da Disciplina Temas de História de Sergipe II) e sua “equipe” à chamada Rota do Sertão compreendida pelos municípios de Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora da Glória, Monte Alegre de Sergipe e Sítios Novos, povoado de Poço Redondo; o acontecimento se deu entre os dias 26 e 27 de janeiro de 2013.
Na chegada a Nossa Senhora das Dores-SE, (obviamente meus queridos colegas, já que eu sou de lá: inclusive agradeço também a alegre presença da turma de idosos, gostei bastante de tê-los por perto ), houve parada para um receptivo café da manha, no sugestivo restaurante local intitulado de Rota do Cangaço, para que posteriormente se iniciassem as atividades. A primeira parada importante se deu na praça da igreja matriz fundada em onde os alunos puderam conhecer o entorno da mesma. Logo em seguida começou o ciclo de palestras ministradas por professores da comunidade que haviam sido alunos do professor Lindvaldo. A professora Magneide em sua exposição, clara e simples a respeito da procissão dos penitentes, procurou explicar como se dá a pratica ritualística desse grupo no município, como também elencar características que lhes são próprias, a exemplo da formação que é somente de homens ,como também as vestimentas brancas que  lhe cobrem praticamente todo o corpo, e por fim a caminhada de peregrinação ,aonde  percorrem várias igrejas, cruzeiros e o cemitério da cidade, rezando pelas almas dos mortos, que simbolicamente visa  uma possível absolvição dos pecados, sentimento reforçado através das dificuldades enfrentadas pela população devastada com a seca e doenças decorrentes da mesma .Em seguida o professor Joao Paulo procurou delimitar o espaço conjuntural de formação da pratica dos penitentes assim como de outras manifestações de cunho pagão que foram posteriormente anexadas ao catolicismo(final da década de 70), que se via em decadência ,ocasionada pela perda de fiéis consequente da disputa com o Protestantismo; o uso dos ritos torna significativa a participação de pessoas analfabetas, através da linguagem simbólica. Ademais é importante lembrar que após as palestras fomos agraciados com a presença de um grupo de penitentes que demonstraram na pratica o sentimento religioso transmitido pela tradição que segue firme através dos tempos estando adaptado aos novos costumes e ares mais modernos.
Na estadia em Nossa Senhora da  Glória, já no período da noite, participamos de um sarau na Escola Léon Gregório, onde  professor Lindvaldo nos permitiu fazer uma “viagem” por entre o imaginário da lenda do lobisomem João Valentim, que teve sua vida estrategicamente enquadrada  as características dos mitos originais da lenda como também se torna figura central na construção de um imaginário coletivo, esboçando  peculiaridades locais que se fundem a uma imagem natural do cotidiano vivido pelos sertanejos ,especificamente o cotidiano dos vaqueiros com o trato dos animais ,cristalizadas na imagem física e comportamental do João Valentin, por vezes temido, mas muito mais respeitado. Esse fato demonstra o papel fundamental exercido pelas lendas que no interior transpuseram o papel das leis no exercício do ordenamento social de conduta, como também  torna-se naturalmente uma forma de lazer vias a uma socialização, compreendendo os  mais diversos campos ideológicos e diários de uma sociedade.
As artes de “Véio”(Cícero Alves dos Santos)tema da palestra seguinte com o professor Yuner, foram muito importantes no sentido de demonstrar como sua arte fica materializada na mente do historiador de forma que a abstração diante das peças para a absorção da técnica traz a tona o cenário cotidiano do sertão,  senão até mesmo o material utilizado pelo escultor(madeira e barro) é fundamental no entendimento dessa ligação com o passado sertanejo no trato da terra e experiência com a agricultura ,no caso de Veio a sua ligação com o meio natural e consciência de preservação do meio ambiente.
Outro acontecimento louvável durante a noite no sarau foram as apresentações do Ygo Araújo e do grupo de repentistas, que para mim significou: de um lado o  encontro do turista com o sertão demarcando suas primeiras impressões diante de um cenário diferente e um tanto inusitado(Ygo)e do sertanejo que conta e canta uma realidade vivida por ele(repentistas).já no termino da  noite fomos embalados ao som de uma banda de forro pé de serra, num ambiente bastante descontraído compartilhado por todos no local.
Seguindo ainda a temática mito-representações, no dia seguinte fomos atrás do passado de João Valentim por entre a cidade de Monte Alegre de Sergipe, onde fomos recepcionados pelo professor Eloy que nos contou mais acerca da historia do homem comum, que a noite se revelava lobisomem .Contrastando com a imagem bondosa  e  um tanto vulnerável de Joao Valentim a cidade convive com um outro lobisomem ,só que este possui uma historia de vida diferente: um pistoleiro e fora da lei, para ser mais exata, que mudou de nome varias vezes e que diante de um passado  criminoso e de uma família bastante conservadora foi enterrado sem identificação no cemitério, o qual também visitamos .
Fizemos uma parada para almoço no povoado Sítios Novos, para em seguida poder assistir uma apresentação de um grupo folclórico de Cavalhada, constituída de três partes principais que são a saída da capelinha, onde os cavaleiros saúdam a padroeira Nossa Senhora da Conceição, a corrida das argolas, ou fitas, e as escaramuças. A representação cultural da cavalhada veio de Portugal, esta em especifico, contem traços dos mitos portugueses e conta com a participação das mulheres e dos homens na organização realização do evento (dando atenção especial aos bastidores ) que no fazer ,ensina as gerações mais novas a perpetuarem a tradição.
Não poderia deixar de falar da banda de pífanos que engendra toda a manifestação, acompanhando o cortejo dos cavalos que é o centro das atenções e símbolo da resistência local, representando o trato do animal pelo sertanejo. Já no pôr do sol finalizando o acontecimento com a volta dos cavaleiros após ter-se realizado a “batalha”, ocorreu uma apresentação de sapateado onde o ciclo da viagem se deu por encerrado.
Para mim a mensagem que trago dessa viagem é somente uma: a de que reminiscências atuais nos permitem figurar o cenário antigo e costumeiro da sociedade do couro que também é um estilo de vida; e o interessante foi fazer um roteiro diferente passando por lugares que trazem a temática do anônimo como agente que transcende através imagem geral dos acontecimentos mais generalizantes.

Imagens Do II Ciclo de estudos "O sertão tem Histórias"



 Arquivo pessoal do aluno Thander Silva: Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores

 Arquivo pessoal do aluno Thander Silva: Profª. Magneide

 Arquivo pessoal do aluno Thander Silva: Prof. João Paulo

 Arquivo pessoal do aluno Thander Silva: apresentação dos penitentes
Arquivo pessoal do aluno Thander silva, Fotos do sarau

 Prof. Lindvaldo

 Prof. Yuner

 Repentistas de N. S. da Gloria

 Apresentação de Ygo

 Forro pé de serra

 Foto do arquivo pessoal do  professor Lindvaldo: professor Eloy e alunos, Versões da historia de João Valentin; Arquivo pessoal do  professor Lindvaldo

 Foto do arquivo pessoal do  professor Lindvaldo: cemiterio onde foi enterrado o lobisomem mau

Foto do arquivo pessoal do  professor Lindvaldo: Cavalhada